Quem há tempos acompanha as criações de Stephen Lee Bruner, o Thundercart, sabe da capacidade do artista em revelar ao público uma seleção de músicas marcadas pelo completo refinamento melódico. Seja como colaborador em diferentes projetos da cena estadunidense, vide encontros com Kendrick Lamar, Flying Lotus e Kamasi Washington, ou mesmo em suas próprias composições, caso de The Golden Age of Apocalypse (2011), Apocalypse (2013) e Drunk (2017), sobram instantes em que o multi-instrumentista norte-americano parece testar os próprios limites dentro de estúdio.
Com It Is What It Is (2020, Brainfeeder), quarto e mais recente álbum de estúdio, não poderia ser diferente. Do momento em que tem início, na colorida sobreposição de ideias de Lost in Space / Great Scott / 22-26, até alcançar a autointitulada música de encerramento, bem-sucedido encontro com o guitarrista brasiliense Pedro Martins, cada fragmento do disco reflete a capacidade de Bruner em transitar por diferentes possibilidades e tendências, porém, preservando a própria identidade criativa. São seis ou mais décadas de referências que se entrelaçam de forma sempre particular, como uma extensão natural de tudo aquilo que o artista tem produzido desde o início da carreira.
Perfeita representação desse resultado ecoa com naturalidade logo nos primeiros minutos do disco, em Innerstellar Love. São pouco menos de três minutos em que Bruner vai do soul cósmico de Stevie Wonder ao jazz de Kamasi Washington, conceito reforçado pela presença do saxofonista californiano. Um lento desvendar de ideias e experiências instrumentais que não apenas preserva, como sutilmente amplia tudo aquilo que Thundercat tem produzido desde a estreia com The Golden Age of Apocalypse, vide o uso pontual dos sintetizadores e ambientações abstratas que ora flertam com a obra de Herbie Hancock, ora dialogam com as criações de Steven Ellison (Flying Lotus), co-produtor do disco.
De fato, mais do que um novo disco de Thundercat, It Is What It Is nasce como precioso ponto de encontro para diferentes representantes da música negra dos Estados Unidos. Não por acaso, Bruner fez de Black Qualls uma das primeiras composições do disco a serem apresentadas ao público. Um vasto conjunto de ideias que vai do jazz ao neo-soul, do rap ao rock psicodélico em uma estrutura que se completa pela interferências de nomes como Steve Lacy (The Internet), Steve Arrington e Childish Gambino. O mesmo resultado acaba se refletindo mais à frente, em Fair Chance, faixa que ganha ainda mais destaque com a presença de Ty Dolla $ign e Lil B.
Entretanto, mesmo repleto de participações especiais, interessante perceber no parcial isolamento de Thundercat a passagem para algumas das composições mais significativas da obra. É o caso da divertidíssima Dragonball Durag, canção que resgata parte da essência criativa detalhada no antecessor Drunk, porém, encontra no uso de sintetizadores e harmonias vocais a passagem para um novo universo criativo. Surgem ainda faixas como Unrequited Love, delicada criação que encontra no minimalismo dos elementos a passagem para um dos momentos mais sensíveis do trabalho.
Conceitualmente bem-resolvido, como tudo que define a obra de Bruner, It Is What It Is encanta pela forma como o artista detalha cada componente do disco, porém, pouco acrescenta quando voltamos os ouvidos para os últimos trabalhos de estúdio. Seja na entrega de faixas como a enérgica I Love Louis Cole, com suas guitarras e batidas rápidas, ou no doce romantismo de How I Feel, tudo soa como uma previsível reciclagem de ideias há muito consolidados pelo multi-instrumentista estadunidense. Canções que convencem pelo evidente refinamento estético, porém, parecem incapazes de surpreender o ouvinte.