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Crítica | Chloe x Halle: “Ungodly Hour”

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Mesmo repleto de boas composições, como Down e Warrior, o excesso de colaboradores e a produção turbulenta fez do introdutório The Kids Are Alright (2018), uma obra que mais parecia formatar do que preservar a identidade criativa das irmãs Chloe e Halle Bailey. Longe do minimalismo dos arranjos e uso destacado da voz, conceito proposto na mixtape The Two of Us (2017), a dupla acolhida por Beyoncé decidiu se aventurar em estúdio, proposta que talvez não tenha agradado aos antigos seguidores das artistas de Atlanta, mas que alcança um precioso ponto de equilíbrio nas canções que embalam o maduro Ungodly Hour (2020, Parkwood / Columbia).

Misto de sequência e fina desconstrução do material entregue nos últimos registros de inéditas, o trabalho concentra o que há de melhor nesses dois universos criativos. De um lado, composições de essência comercial, como se pensadas para dialogar com uma parcela cada vez maior do público. No outro, o evidente comprometimento estético e entrega de cada integrante, estrutura que não apenas se reflete na escolha da dupla em assinar grande parte da produção das faixas, como, principalmente, em transportar para dentro de estúdio um delicado conjunto de experiências sentimentais. São versos sempre intimistas, fortes, conceito detalhado tão logo o álbum tem início, na atmosférica música de abertura (“Nunca peça permissão / Peça perdão“), mas que acaba orientando a experiência do ouvinte até o último segundo do disco.

Desse primeiro bloco de canções, surgem faixas como a já conhecida Do It. Fortemente influenciada pelo R&B dos anos 2000, a música que conta com produção de Scott Storch, se espalha em meio a batidas deliciosamente dançantes, estrutura que evoca o clássico The Emancipation of Mimi (2005), de Mariah Carey, mas que em nenhum momento deixa de dialogar com outros nomes recentes da cena norte-americana, como Normani e SZA. A própria faixa-título do álbum, uma colaboração com os irmãos Guy e Howard Lawrence, do Disclosure, joga de forma curiosa com esse aspecto da temporalidade. Instantes em que a dupla aponta para o soul da década de 1970 no uso instrumental da voz, porém, adota uma linguagem marcada pelo frescor dos elementos, efeito direto do uso de sintetizadores e colagens eletrônicas.

Entretanto, é justamente quando a dupla se despe de possíveis excessos e avança para a segunda porção do registro, que Ungodly Hour deixa sua marca. Exemplo disso está na dobradinha formada por Don’t Make It Harder on Me e Wonder What She Thinks of Me. São pouco mais de sete minutos em que Chloe x Halle investem no reducionismo dos arranjos, transformam a voz no elemento central de cada composição e revelam ao público uma seleção de versos regidos pela força das próprios conflitos. “Não torne as coisas mais difíceis para mim / Eu disse para você não me amar / E agora você está crescendo em mim“, detalha o coro de vozes. É como se as duas irmãs ampliassem tudo aquilo que foi proposto durante o lançamento de The Two of Us, estrutura que se reflete em outros momentos ao longo da obra.

Exemplo disso está na introdutória Forgive Me, música que alcança um ponto de equilíbrio entre o tom provocativo de Beyoncé e os experimentos vocais de Björk, outra importante referência criativa para a dupla. Composições que vão do R&B ao pop, do gospel ao neo-soul em uma formatação sempre detalhista, riqueza que pode ser percebida com maior naturalidade em faixas como Lonely, Busy Boy e Baby Girl, mas que mantém a consistência mesmo em fragmentos menores, como no interlúdio Overwhelmed. É como se Chloe x Halle, pela primeira vez desde o repertório entregue em The Two of Us, tivessem completo domínio da própria obra, conceito reforçado pela forte homogeneidade do registro.

Completo pela presença de Swae Lee e Mike Will Made-It, em Catch Up, outra importante faixa que reflete o lado mais acessível da dupla, Ungodly Hour joga com as possibilidades sem necessariamente parecer uma obra confusa. É como se Chloe x Halle soubessem exatamente que direção seguir dentro de estúdio, avançando de forma segura até o último instante do trabalho. Criações de essência autoral que costuram diferentes décadas, gêneros e tendências de forma particular, como um exercício conceitual que revela algumas das principais referências criativas das irmãs Bailey, porém, estabelece no uso da voz e sentimentos sempre destacados um precioso elemento de transformação. Da imagem de capa aos aos versos, um verdadeiro catálogo de pequenos acertos.


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