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Crítica | Moses Sumney: “Grae”

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Moses Sumney já havia dado uma boa mostra do próprio trabalho como lançamento de Aromanticism (2017). Um misto de soul, rock e pop de câmara que passa por diferentes campos da música de forma sempre sensível, estrutura que se reflete em algumas das principais faixas do disco, como Lonely World e Make Out in My Car. Composições que refletem a capacidade do cantor e compositor norte-americano em transformar as próprias experiências, desilusões amorosas e desejos na base para cada novo registro autoral, proposta que não apenas ganha novo significado nas canções de Grae (2020, Jagjaguwar), segundo e mais recente álbum de estúdio, como reflete o completo domínio criativo e entrega do artista californiano.

Como indicado logo nos primeiros minutos do trabalho, na introdutória Insula, Grae se revela ao público como uma obra sobre isolamento e autodescoberta. “‘Isolamento’ vem da ‘insula’, que significa ‘ilha’“, repete a voz da poetisa Ayesha K. Faines, indicando parte da temática adotada por Sumney. São versos mergulhados em temas existencialistas, medos e conflitos particulares que vão da própria masculinidade, em Virile, às relações humanas, em In Bloom, estrutura que não apenas preserva, como sutilmente amplia o repertório detalhado no disco anterior. Canções que partem da mente inquieta do próprio artista, porém, pensadas para dialogar com os sentimentos de qualquer indivíduo.

Ei, depois de todos esses anos / Eu ainda estou aqui, dedos estendidos / Com sua marca na minha cama / Um poço tão grande que eu estava na beira / O amor vai me decepcionar de novo?“, questiona em Me In 20 Years, canção em que visualiza um futuro solitário, transportando para dentro do disco uma série de conflitos pessoais. São versos tão dolorosos e honestos que é impossível não se identificar com as angústias de Sumney, afinal, os tormentos dele são também os nossos. Composições que partem do isolamento e doce melancolia do artista como forma de dialogar com o ouvinte, cada vez mais atraído para dentro da obra, convidado a partilhar das dores e experiências detalhadas pelo músico.

Curioso perceber que mesmo partindo desse isolamento conceitual, Grae seja justamente o trabalho em que Sumney mais se aproxima de outros artistas. Exemplo disso está em Cut Me, logo na abertura do disco. São pouco mais de quatro minutos em que vai do soul dos anos 1960 ao pop dos anos 2000 em uma criativa colagem de tendências que passa pelo experimentalismo de Daniel Lopatin (Oneohtrix Point Never) e arranjos do coletivo britânico Adult Jazz, com quem divide a canção. A mesma riqueza na formação dos elementos acaba se refletindo mais à frente, em Gagarin, música composta pelo artista norte-americano, porém, completa pelas estruturas jazzísticas do grupo sueco Esbjörn Svensson Trio.

Dentro esse cenário marcado pelas possibilidades, surgem nomes curiosos como o ator Ezra Miller, na econômica Boxes; a comediante e atriz Michaela Coel, em Before You Go; James Blake, na delicada Lucky Me e o músico Tom Gallo, com quem divide uma das principais faixas do disco, a doce Polly. Interferências pontuais, sempre discretas, como um complemento ao lirismo melancólico que escorre por entre os versos de Sumney. Um exercício conceitualmente amplo e ao mesmo tempo contido, como uma extensão do material entregue pelo artista há dois anos, durante a produção de Black In Deep Red, 2014 EP (2018), registro em que vai do jazz ao pop em uma linguagem sempre minimalista.

Feito para ser absorvido aos poucos, sem pressa, Grae, assim como o registro que o antecede, exige dedicação do ouvinte até se revelar por completo. São canções concebidas em uma medida própria de tempo, proposta que contribui para o aspecto contemplativo que orienta a formação da obra, porém, em nenhum momento se exime o artista de pequenos excessos, vide a sequência de músicas que se estende da atmosférica Jill/Jack ao experimentalismo de Neither/Nor. Pouco mais de 60 minutos em que Sumney convida o ouvinte a se perder em um território particular, como um produto das próprias emoções, traumas e pequenas realizações pessoais que se acumulam desde o material entregue em Aromanticism.



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