Produzido durante o período em que Sharon Jones (1956-2016) travo uma difícil batalha contra o câncer, o recente Soul of a Woman (2017, Daptone) mostra o esforço da cantora norte-americana em, mais uma vez, brilhar dentro de estúdio. Um ato minucioso, dolorosamente particular, mas que acaba crescendo nos arranjos assinados pelos parceiros de banda do The Dap-Kings, com quem a artista norte-americana colaborando desde a segunda metade dos anos 1990.
Doloroso, festivo, intimista e sorridente na mesma proporção, o trabalho de 11 faixas parece seguir a trilha percorrida por Jones desde a estreia com Dap Dippin’ with Sharon Jones and the Dap-Kings, em 2002. Composições que passeiam pela música negra produzida entre o final dos anos 1950 e início da década de 1970, como um criativo desvendar de referências que incorpora o mesmo soul-funk de veteranos da cena estadunidense, porém, de forma sempre autoral.
Exemplo disso está na nostálgica Just Give Me Your Time. Terceira faixa do disco, a composição de apenas dois minutos encontra no pop empoeirado dos anos 1960 um precioso componente criativo. Guitarras contidas, quase climáticas, arranjos de metais e batidas que se dobram para revelar a força vocal de Jones. Na poesia da canção, um universo de emanações melancólicas e a busca declarada do eu lírico por um pouco de atenção, conceito reforçado em parte expressiva da obra.
Em Rumors, quinta canção do álbum, uma fuga declarada desse ambiente melancólico e o esforço de cada integrante do projeto em assinar uma criação dançante, talvez pensada para as apresentações ao vivo do grupo. Trata-se de uma composição marcada pela evidente quentura dos arranjos, batidas e vozes, como se Jones e os parceiros de banda fossem da música lançada por James Brown, no início da carreira, ao toque tropical que caracteriza a música cubana.
Marcado pelo cuidado na formação dos arranjos, Soul of a Woman faz de cada composição um objeto precioso. Perfeita representação desse resultado está no som entristecido de When I Saw Your Face. Lembrando clássicos como At Last! (1960), de Etta James, a canção se espalha sem pressa, revelando guitarras, metais e arranjos de corda encorpados que se conectam à voz de Jones. Uma leveza que se repete em outras como a derradeira Call On God e, principalmente, no fino polimento de Come and Be a Winner.
Fechamento coeso para uma discografia que alcançou melhor resultado em obras recentes como I Learned The Hard Way (2010) e Give the People What They Want (2014), Soul of a Woman mostra o cuidado de Jones e seus parceiros em finalizar um registro primoroso mesmo nos momentos de maior angústia vividos pela cantora. Um verdadeiro exercício criativo que resgata o que há de mais delicado na música negra produzida nas últimas cinco ou mais décadas de forma naturalmente particular.