Em um intervalo de poucos anos, a violinista Brittney Denise Parks foi do experimentalismo acústico que marca as canções do primeiro trabalho como Sudan Archives, lançado em 2017, para um repertório cada vez mais acessível, direcionamento dado ao sucessor Sink (2018). O resultado dessa criativa combinação de ideias vai de elementos da cultura sudanesa, de onde vem a inspiração para o nome artístico da cantora, ao soul produzido nos anos 1970, estímulo para a composição de músicas como Nont For Sale, Mind Control e todo o fino repertório que embala o trabalho da artista de Los Angeles.
É justamente essa busca por um material mais próximo do ouvinte médio que orienta o trabalho da musicista em Athena (2019). Com distribuição pelo histórico Stones Throw Records, selo responsável por apresentar nomes como J Dilla e Madvillain, o registro de 14 faixas parece condensar parte das experiências acumuladas pela cantora e compositora norte-americana nos últimos anos. São melodias e vozes tratadas de forma sempre convidativa, como se do repertório entregue durante o lançamento de Sink, há poucos meses, Parks fosse além.
E isso se reflete na forma como a própria artista fez de Confessions a primeira composição do novo disco a ser apresentada ao público. Mesmo que preserve a essência dos primeiros álbuns da cantora, vide o uso destacado do violino, são as vozes e batidas fortes que ampliam os limites do som produzido para o trabalho. “Há um lugar que eu chamo de lar / Mas não é onde eu sou bem-vinda / E se eu visse todos os anjos / Por que minha presença é tão dolorosa?“, questiona enquanto a base da canção parece dialogar com o mesmo universo criativo de nomes como Jamila Woods e Solange.
O mesmo direcionamento acessível acaba se refletindo mais à frente, em Glorious. São pouco mais de dois minutos em que Parks não apenas brinca com as possibilidades, trazendo batidas e elementos típicos do rap para dentro de estúdio, como faz do violino um componente fundamental para o crescimento da canção. O destaque acaba ficando por conta da breve participação do rapper D-Eight, reforçando o direcionamento curioso dado ao disco. É como se a musicista pervertesse tudo aquilo que havia testado durante o lançamento do primeiro EP de inéditas da carreira, proposta que se reflete até a faixa de encerramento do disco, Pelicans In The Summer.
Claro que essa busca por novas possibilidades não interfere na produção de músicas essencialmente experimentais, como um parcial regresso aos primeiros trabalhos produzidos pela artista. É o caso de Black Vivaldi Sonata. Da construção dos arranjos ao uso atmosférico da voz, Parks parece jogar com os instantes, revelando ao público incontáveis camadas instrumentais. O mesmo direcionamento incerto acaba se refletindo em outros momentos no decorrer da obra, como no soul torto de Green Eye e na série de vinhetas que atravessam o álbum.
Se por um lado essa pluralidade de ideias torna a experiência de ouvir o disco tão gratificante, por outro, o número excessivo de faixas rompe com o dinamismo explícito em Sink. Surgem ainda músicas marcadas pela forte similaridade na composição das batidas e temas instrumentais, caso de Iceland Moss e Coming Up, como se o ouvinte desse voltas em torno de um mesmo universo conceitual. Instantes de breve desequilíbrio que prejudicam o crescimento da obra, porém, em nenhum momento interferem na capacidade da artista em provocar o ouvinte durante toda a execução do álbum.