Leon Bridges é um artista raro. Mesmo convidado a integrar o catálogo de um selo de grande porte — a Columbia Records —, o cantor e compositor texano parece longe de perverter a própria essência. Na contramão de tantos outros projetos envaidecidos (ou talvez sufocados) pelo peso de uma grande gravadora, o músico de Fort Worth, Texas, segue dentro de uma estrutura particular, dialogando de forma autoral com o soul/R&B produzido entre os anos 1950 e 1970.
Perfeita representação desse resultado está na composição, poesia e estrutura musical que invade o segundo e mais recente álbum de estúdio do músico norte-americano, Good Thing (2018, Columbia). São dez faixas e pouco mais de 30 minutos de duração em que Bridges continua a visitar o passado de forma curiosa e referencial, porém, sempre preservando a própria identidade artística e lirismo que vem sendo incorporado desde as primeiras canções.
Livre da programação eletrônica e plasticidade emulada por nomes como Pharrell Williams, Sam Smith, Justin Timberlake e tantos outros representantes do gênero, Bridges se concentra na formação de uma obra essencialmente harmoniosa, sensível. Perceba como os instrumentos ganham destaque e crescem no interior de cada composição, flutuando em meio a pequenos respiros e atos grandiosos que ampliam a poesia intimista que vem sendo explorada desde o debute com Coming Home (2015).
Mesmo quando se entrega ao uso de temas dançantes, como na sequência formada por If It Feels Good (Then It Must Be) e You Don’t Know, Bridges em nenhum momento se esquiva da produção de um som detalhista, encorpado pela inserção minuciosa dos instrumentos. Parte desse cuidado vem da forte interferência do produtor e multi-instrumentista Nate Mercereau, o experiente Ricky Reed (CeeLo Green, Kesha), além, claro, de um time seleto de instrumentistas dentro de estúdio.
Stevie Wonder encontra Marvin Gaye, Sam Cooke esbarra em Otis Redding, e o soul melancólico da década de 1950 se entrega ao funk dos 1970. Seis ou mais décadas de referências delicadamente remontadas por Bridges, cuidado que se reflete nos instantes de maior melancolia e entrega do disco. É o caso de Beyond, música que partilha da mesma comoção detalhada pelo artista em River, um dos destaques do disco anterior e faixa eternizada na série Big Little Lies.
Da imagem de capa inspirada em clássicos dos anos 1950/1960 — como I Put A Spell On You, de Nina Simone —, passando pelo cuidado na composição dos arranjos e versos, Good Thing reflete o controle, amadurecimento e completo domínio criativo de Leon Bridges na construção de cada elemento. Não se trata de uma obra inovadora, mas de um exercício referencial que se entrega ao passado, resgata e adapta o que há de mais expressivo nele.