D’Angelo
Soul/R&B/Funk
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Por: Cleber Facchi
Antes de Amy Winehouse brilhar sob o rótulo de Neo-Soul, Justin Timberlake se transformar em um dos ícones do R&B e o funk ser reinventado pelos parceiros do Gnarls Barkley, todos estes ritmos e preferências já pareciam bem definidos e planejados no trabalho do norte-americano Michael Eugene Archer, ou melhor, D’Angelo. Veterano da cena estadunidense e participante da retomada da música negra em meados da década de 1990, o músico alcançou com o álbum Voodoo (2000, Virgin) seu melhor desempenho, conquistando não apenas um novo clássico para o gênero, mas o mais importante exemplar da black music dos últimos dez ou vinte anos.
Aproveitando das mesmas referências e ensinamentos deixados por mestres do Soul (Marvin Gaye), Jazz (Miles Davis) e da funk music (Sly & The Family Stone), D’Angelo encontra as ferramentas perfeitas para a produção de um disco que soa ao mesmo tempo referencial e inovador, proposta que acaba por definir todas as 13 extensas faixas do volumoso álbum. Ora explorando um resultado introspectivo e que se movimenta de forma hermética, ora esbanjando uma sonoridade mais ampla e que cresce em virtude da vivacidade das letras, o músico faz do álbum um projeto que além de estabelecer limites e métricas próprias, parece preparar o terreno para uma infinidade de discos “inventivos” que ainda estavam por vir.
Com um acabamento perfeito, Voodoo assume exatamente o mesmo percurso iniciado pelo músico cinco anos antes, com o disco Brown Sugar (1995), transformando todas as experiências do passado em um resultado de fato assertivo e com todas as pontas soltas perfeitamente amarradas. Intimista, o álbum traz no sofrimento confessional e no personagem do próprio D’Angelo todos os mecanismos para que ele alcance o resultado que se estabelece ao longo do álbum. Um trabalho que inicialmente suave e diminuto, logo alcança o mesmo desempenho que clássicos como What’s Going On (Marvin Gaye), Maggot Brain (Funkadelic) e Purple Rain (Prince) conseguiram manifestar.
Ao longo de exatos 79 minutos, o produtor permite que dois grupos de composições bem definidas aflorem no interior do álbum. De um lado, apostando em canções mais despojadas e com um pé bem firme no Funk (e até no Afrobeat) estão faixas como Spanish Joint e Chicken Grease, criações que se inspiram abertamente no trabalho de James Brown, nas guitarras rápidas de Sly Stone e em toda uma pluralidade de sons que aproximam D’Angelo do que foi construído ao longo de toda a década de 1970. Porção menor do registro, esse estilo de canção parece servir como respiro ao que define o maior e mais influente “pedaço” do álbum: as composições essencialmente confessionais e melancólicas.
Com formas sorumbáticas, letras consumidas pela dor e tendências que antecipam em mais de uma década aquilo que Drake, The Weeknd, Frank Ocean e tantos outros nomes recentes utilizam em suas respectivas obras, o músico se permite afundar em um doce oceano macambúzio e letras consumidas por uma tristeza honesta. Da sutileza que absorve a faixa de abertura Playa Playa, atravessando os vocais amargurados que preenchem The Line ao contexto visivelmente erótico de Feel Like Makin’ Love, cada fração dessa seleção de faixas mantém no clima lânguido e nas batidas cadenciadas o combustível para que D’Angelo e nomes como Questlove e Raphael Saadiq brilhem na construção de um resultado hipnótico e no mínimo emocionante.
Ao mesmo tempo em que Voodoo estabelece uma visível conexão com os sons e preferências líricas que definiram uma série de importantes registros no passado, o leve toque de eletrônica e a obvia aproximação do cantor com o hip-hop garantem ao álbum um caráter de novidade e diálogo com o presente. Irretocável, o disco foi o último grande registro em estúdio de D’Angelo, que após 12 anos desde o lançamento do álbum ainda não teve material suficiente (ou forças) para apresentar um sucessor – que ao que tudo indica deve ser (finalmente) lançado nos próximos meses. O caráter de raridade da obra, entretanto, acabou por ampliar o misticismo em torno do álbum, que além de prever uma variedade de tendências que hoje definem a música negra mundial, parece concentrar uma infinidade de elementos e fórmulas que ainda serão descobertos.
Voodoo (2000, Virgin)
Nota: 10.0
Para quem gosta de: Gnarls Barkley, Raphael Saadiq e Erykah Badu
Ouça: Feel Like Makin’ Love, Playa Playa e Devil’s Pie